Profa. Dra. Terezinha A, de Carvalho Amaro*
Centro Universitário FMU
Estamos em tempos de crise e vivendo a solidão de nossas incertezas e preocupações, mas ao mesmo tempo, junto a uma coletividade que caminha na esperança de soluções e perspectivas de futuro. Todo este cenário ocasionado pela brusca incidência do novo coronavírus (covid-19). Sua ocorrência e o crescente número de mortes no mundo levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a denominar de pandemia em 11 de março de 2020 (World Health Organization, 2020). Tal fenômeno tem desestabilizado a vida de diversas pessoas mediante um mundo anteriormente previsível.
Desta forma, convivemos temporariamente com o isolamento e o distanciamento social necessário para evitar a propagação do contágio. Além disso, vivenciamos as perdas de parentes e amigos, de trabalho, de relacionamentos, escolas e universidades, perdas econômicas e entre tantas outras.
Freud, citado por Dunker (2018) em sua obra Luto e Melancolia, assinala a importância de um trabalho de elaboração e que é preciso passar por um conjunto de ações psíquicas que terminem por integrar no interior do eu simbolicamente, aquele e aquilo que foi perdido. O luto termina com essa integração e produz uma abertura de novas possibilidades para se relacionar, se vincular e seguir seu caminho. De acordo com Parkes (1987), grande autoridade na área do luto no mundo citado por Kóvacs (1998), essa fase se evidencia como uma importante transição psicossocial, com impacto em todas as áreas de influência humana. Em seus estudos dos conceitos básicos sobre o tema muitos verificam como as perdas afetam estruturas de significado na vida.
O luto se evidencia de várias formas, mas a maior e mais devastadora está na perda de entes queridos. Como lidar com a morte quando não podemos estar junto a pessoas próximas e que fizeram parte da nossa vida? O poeta e escritor Carpinejar (2020) faz uma reflexão de que se você não viu a pessoa ser enterrada, não teve a experiência visual para fechar a dor. E terá sempre a sensação de que aquela pessoa vai tocar a campainha, bater a porta a qualquer momento.
Assim, pensar em um sentido para a perda de um ente querido requer um esforço desmedido de elaboração. Cada um de nós tem uma maneira de reagir, de experienciar a dor. Necessário prestar atenção nos sentimentos despertados como por exemplo, de raiva, tristeza, culpa, medo, hostilidade, desespero e escutá-los pode ser uma direção para compreender e ressignificar a sensação de vazio gerada. Na verdade é um aprendizado, um processo de reconstrução, de significado do luto. Parkes (1987) também descreve que o luto é o preço do amor, se esta fase existe é porque houve amor, vínculos estabelecidos, afeto, trocas e história de vida compartilhada.
Para Hisatugo (2020) as preocupações e a necessidade de suporte em redes de apoio são essenciais, ou seja, alguém para escutar, para estar ao lado. Entretanto para muitas outras pessoas o processo de luto pode ser ainda mais difícil e ocasiona sofrimento para crianças, adolescentes, adultos e idosos. Procurar uma ajuda profissional como de um psicoterapeuta pode ser benéfico neste momento.
Mediante estes contextos, importante dizer sobre os rituais que são universais e que fazem sentido com a história que cada um viveu com o ente querido que se foi. A história da humanidade traz muitas formas de lidar com a dor e viver o luto por meio de rituais estabelecidos em diversas culturas e de acordo com suas crenças e raízes. Leaky (1997), citado por Souza & Souza (2019), descreve que há registros arqueológicos sobre rituais fúnebres desde a Pré história e a notável consciência dos povos sobre a preocupação com a finitude por meio do cuidado ritualizado com seus entes queridos.
Atualmente em função do perigo do contágio, as cerimônias tradicionais não são possíveis e as pessoas não podem participar dos últimos momentos da pessoa querida. Deste modo, se faz necessário a flexibilização de novos ritos simbólicos. Pensar em rituais por nós criados como forma de homenagear, é uma maneira de demostrar amor e compaixão. Um exemplo de ritual tem sido feito por pessoas que pedem a funerária para passar em frente as suas casas, batem palmas e cantam. Formas individuais de homenagear, podem ser traduzidas por orações que expressem o amor na relação com qualquer fé, acender uma vela, cozinhar algo que a pessoa gostava, escrever uma carta, e entre tantas outras que podem ser criadas.
Além disso, as formas remotas e coletivas de despedida tem sido bem vindas por meio de uma rede socio afetiva que envolva a família, familiares e amigos para expressar seus sentimentos com mensagens, escrever e ler um texto, fazer um vídeo, plataformas digitais ( família e amigos marcam dia e horário para uma cerimônia de forma solidária) e os memoriais online para manifestação de todos que viveram e tiveram momentos com a pessoa falecida e querem compartilhar as emoções e os pensamentos.
O essencial para os que ficam está na reflexão de não ter culpas, arrependimentos, magoas com a vida. Momentos de ansiedade e depressão devem ser substituídos por encontrar uma esperança a cada dia. Rodrigo Luz (2020), da Fundação Elisabeth Brasileira Klüber-Ross, salienta que a pessoa é muito mais que a morte dela. Ela é todas as coisas que ela fez, sentiu, viveu e você fez parte disso em muitas dessas ocasiões. A saudade sim, esta é bem vinda, porque registra o que foi vivido de bom, do vínculo, do afeto e da relação.
Para finalizar, olhar, sentir, acolher, pensar, diante a perda de um ente querido reúne os ingredientes mais sublimes para se fazer uma cerimonia, criar um ritual digno e confortante para todos.
* A Profa. Dra. Terezinha A. de Carvalho Amaro, está à disposição para entrevistas sobre o tema
Referências:
– Carpinejar F. (2020, julho 5). Os 60 mil não são mortos e sim desaparecidos. In: Bergamo M. Folha ilustrada, Jornal Folha de Paulo – São Paulo.
– Dunker, C. (2018). Como acontece o luto? Falando nisso (canal)
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=0Kz7jsXo6B4
– Hisatugo, C.L.C. (2020). Uma conversa importante sobre a vida e a morte em tempos de Coronavírus. Disponivel em: http://lnkd.in/ehDZnDp
– Leakey, R. (1997). A origem da espécie humana. Ed Rocco, Rio de Janeiro. In: Souza C. P. & Souza A. M. (2019). Rituais fúnebres no processo de luto. Psic.: Teor. e Pesq. vol.35, Epub, Brasilia. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102.3772e35412
– Luz, R. (2020). Para lidar com a falta de velório para vitimas de covid 19, psicólogo sugere ritual de despedida. Disponivel em: http://radioagencianacional.ebc.com.br/saude/audio/2020-04/para-lidar-com-falta-do-velorio-para-vitimas-da-covid-19-psicologo-sugere-ritual
– Parkes, C. M. (1987). Research: Bereavement. Omega: Journal of Death and Dying, 18, 365- 377. In: Kóvacs, M.J. Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o morrer. São Paulo-SP. Disponível em: http://www.scielo.br/paideia
– World Health Organization. (2020). WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March 2020. Geneve: Author. Retrieved from http://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—11-march-2020 [ Links ]
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