Escrito pelo advogado Otávio Mei de Pinho Bellarde
Além dos impactos nas relações interpessoais, a pandemia do vírus “COVID-19” também repercutiu em diversos setores da economia a partir do momento em que o Poder Público ordenou, em várias localidades, a suspensão temporária da prestação de serviços reconhecidos como “não essenciais”. No Estado de São Paulo, por exemplo, o Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020, impôs medida de “quarentena” consistente na “restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus” (art. 1º).
Repentinamente, empresários tiveram que interromper suas atividades, reorganizar as finanças e se depararam com o abalo no prognóstico de faturamento, o que implicou também na necessidade de reavaliação das despesas.
Nesse aspecto, se por um lado os empréstimos bancários sempre foram alternativas usuais aos empresários e empresas para consolidação de “capital de giro”, aquisição de maquinário ou ampliação do negócio, por outro implicaram na assunção de obrigações pecuniárias a longo prazo que representam significativa parcela do passivo. A necessidade de equalização dessas dívidas no momento atual é premente.
Nos últimos dias, muito divulgou-se a respeito de decisões judiciais que prorrogaram os pagamentos de tributos em virtude das implicações do “COVID-19” na atividade empresarial. A legislação brasileira admite que os reflexos da pandemia também propiciem semelhante providência no âmbito das relações contratuais privadas, com ênfase nos contratos bancários.
O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) já prevê o direito à modificação das bases contratuais motivada por situações excepcionais, ao dispor que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato” (art. 478).
Nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) reforça essa prerrogativa ao incluir como direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art. 6º, V).Recentemente, noticiou-se que uma empresa do ramo de alimentação obteve na Justiça paulista liminar para que fossem suspensos por 90 (noventa) dias os pagamentos das prestações de contrato de abertura de crédito e mútuo firmado com banco, além da impossibilidade de cobrança de multa e encargos moratórios nesse período. Tal ordem judicial partiu da premissa de que, no momento da assunção das obrigações, “o autor não tinha como prever o advento de uma pandemia dessa envergadura que iria atingir em cheio sua atividade econômica, praticamente paralisando-a”[1].
Como se vê, a revisão judicial de contratos firmados com instituições financeiras ganhou especial relevo no cenário recente, amparada por um fato superveniente, extraordinário e imprevisível, podendo justificar a prorrogação do vencimento das obrigações assumidas.
É verdade que alguns bancos, antevendo o surgimento de uma grave crise econômica, anunciaram medidas para facilitar a renegociação de dívidas de pessoas físicas e jurídicas, mas os rigorosos critérios para essa repactuação podem restringi-las a poucos interessados.
Recomenda-se que os clientes consultem seus bancos e informem-se a respeito de eventuais condições especiais para renegociação das dívidas, mas, se não for possível, o manejo de remédio jurídico para resguardar a continuidade da atividade empresarial nesse momento de incertezas apresenta-se como uma alternativa viável, pautado na prévia análise específica dos instrumentos contratuais por profissional de confiança.
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