Leonino, genial, sereno, ativista e singular. Essas palavras definem bem a personalidade forte e relevante do cantor e compositor Arto Soares, que nos concedeu a honra da entrevista que você confere agora.
Arto Soares, você é um cara que veio do núcleo do sertão nordestino, saiu de casa bem cedo, sentiu na pele todas as adversidades, foi perseguido pelo fascismo, morou no Rio de Janeiro e agora reside em São Paulo, tudo isso sem nunca parar de produzir. A que você atribui essa determinação e inquietude, se é que posso assim dizer?
Tive uma criação muito severa em casa por parte do meu pai e muito afável por parte da minha mãe. Acho que esse equilíbrio foi fundamental na minha formação artística e tudo mais, o que me fez muito obstinado em busca das metas e muito tranquilo nos momentos de atribulação. Ou seja, resumindo, essa inquietude vem pontualmente do desejo de mudar as coisas pra melhor, e para todos, em todos os aspectos. Minha existência no campo artístico é toda alinhada de acordo com esse pensamento, o de promover a concórdia entre as mais variadas formas de convicção.
Qual é o seu papel no ativismo em prol das causas em que você está ligado?
Acho que o meu dever vai além da representatividade e se baseia em vivências minhas que estão presentes na pauta de determinadas lutas, sabe? Por um lado, é algo que acontece com muita naturalidade, mas há também a necessidade pulsante de mudanças em cada uma delas. Citando caso análogo, por duas vezes fui chamado de macaco por ser negro, e em uma dessas vezes eu era criança – isso pra uma criança é realmente muito pesado e traumatizante. Outra vez aconteceu a mesma coisa, mas quem exprimiu o insulto foi um colega do meu time de futebol juvenil. O problema não está no animal macaco, que é um lindo bicho da natureza, mas sim no ódio preferido e associado ao uso do termo, que possui o sentido de ferir o outro profundamente. Essas pessoas maléficas continuam protegidas pela solidez histórica e cruel do racismo. Em outras palavras, esse é um dos maiores motivos pelos quais todas as lutas as quais estou imbuído são mais do que necessárias, lutas que precisam ser exercitadas diariamente no cotidiano em que, uma hora ou outra, vai estar enraizado de um novo hábito nas mais diversas camadas sociais. Tenho muita fé nisso e é justamente isso que me leva a defrontar com os opositores em benefício das causas, ao lado de amigas e amigos queridos, com a plena certeza de que isso terá um reflexo muito benéfico no futuro.
Para muitos você é a mais autêntica cria do tropicalismo na Nova MPB, isso faz sentido pra você? Quais são realmente as suas principais influências na música brasileira?
Nova MPB, nova cria do tropicalismo, tudo isso tem um lado poético muito bonito, mas que erra por ser fatalista. Me soa meio confuso porque acho que as canções dessa natureza podem ser definidas simplesmente por música pop ou world music. Mas para além disso, a resposta é que minhas maiores influências são sim a base do tropicalismo; Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Zé, além de Milton e Chico da mesma geração. Isso sem falar na geração posterior, Humberto Gessinger, Marisa Monte, Frejat, Zeca Baleiro, Adriana Calcachotto, Chico César. E a turma do Rap, Criolo, Negra Li, Baco. Sem falar na minha geração que é fantástica e que tem muita gente fazendo música da melhor qualidade. São muitas nuances e caminhos dessa musicalidade feita no Brasil e eu citei apenas as minhas maiores influências da música pop nacional. O funk de Anitta, Iza e Ludmilla e o sertanejo universitário, apesar de que não fazem parte da minha formação, entram sim de muitas formas na música que produzo. Enfim, é realmente um privilégio fazer parte dessa miscigenação boa que é a música popular brasileira.
Coisa que pouca gente sabe é que, além de cantor e compositor, você é escritor, artista plástico e produtor musical. Como faz pra conduzir tantas atividades ao mesmo tempo?
Na realidade, nunca foi simultaneamente. Trabalho com música e, nas horas livres, produzo um pouco de cada coisa. Com exceção do ofício de compositor, não me considero exímio em nenhuma dessas atividades. Praticamente tudo que eu produzo hoje em dia é baseado na intuição, o que me dá um prazer redobrado porque eu tenho predileção pela expressão que provém dessa natureza mais intuitiva. É mais por uma questão de traquejo ligada ao instante e lugar em que se está presente, com determinada energia espiritual e com determinados desígnios. É tudo muito transitório.
O ‘Cobalto’ é um disco pelo qual eu, pessoalmente, tenho profunda admiração. Como foi trabalhar nesse álbum, e o que mais você anda produzindo de material novo? Vi que anda sempre lançando novos singles. Já tem a data que pretende lançar algo?
O Cobalto foi um disco bem prazeroso de fazer, realmente. Eu tinha há algum tempo o desejo de gravar algo em Lo-Fi, e compus todas as músicas já pensando nisso. Decidi que, dentro de uma semana, faria uma música por dia. E assim foi concebido o Cobalto, com exceção da canção ‘simplesmente’, que já tinha saído com seu primeiro clipe, todas foram compostas em uma única semana. Quanto aos planos para o futuro, primeiramente quero lançar os dois singles que faltam pra completar o disco e, talvez depois do carnaval, partir pra um projeto simultâneo ao do novo álbum. É um momento de estudar todas essas possiblidades pra um futuro breve, em que particularmente vejo com otimismo.
Como foi pra você enfrentar a quarentena, mudar a rotina, etc.?
Foi uma mudança um tanto drástica, sim, no sentido da rotina principalmente. Por outro lado uma oportunidade para todos nós revermos nossos conceitos em possíveis novas experiências, novos meios de aprendizado através do “novo normal”, uma busca de aprofundamento nas questões humanas de modo geral. Eu produzi relativamente muita coisa durante esse período de isolamento, o que eu certamente disporia de menos tempo em um momento comum. Considero a prática e continuação desse trabalho real e sólido que venho construindo ao longo da última década, definitivamente voltado para as experiências da vida. Eu foco no agora que mira no depois.
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